Aforismos sobre a consciência política


Depois de tanto tempo de greve alguns professores e técnicos do Instituto Federal de Brasília (onde trabalho) decidiram aderir ao movimento por um tempo determinado de duas semanas (se é que isso faz algum sentido...). Na sala dos professores, hoje pela manhã, uma colega me disse: “Eu vou aderir sim. É bom pra mim porque tinha que dar aula amanhã e ainda não preparei nada!”
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É interessante e significativa a lembrança que temos dos nossos professores. Quando procuro pensar nos meus professores da graduação, os que deixaram alguma coisa de verdade pra mim, eu percebo que nenhum deles se identificava com a imagem do típico sindicalista ou do ativista político declarado. Era uma outra coisa, para além de apoiar ou não qualquer movimento grevista, que fazia transparecer a política na ação desses professores. A política estava na seriedade com que encaravam o trabalho e a importância que davam ao que faziam. Eram professores que chegavam na hora todos os dias, liam e anotavam todos os trabalhos que pediam, ofereciam muito e exigiam tudo. Bem diferente dos ativistas políticos declarados, que eram simplesmente deprimentes e ridículos, incapazes e reclamões de tudo sem nunca oferecer nada, sem se doar um pouquinho que fosse dentro da sala de aula, ainda que nos discursos panfletistas falassem todo o “bla bla bla” sobre o futuro da educação.
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Quando eu terminei a graduação eu passei logo em um processo seletivo para trabalhar como professor substituto no CEFET do Maranhão (fiz a seleção no final de 2004 e comecei a trabalhar em 2005). Antes das aulas começarem, um professor do CEFET, que eu só conhecia da banca do concurso, me chamou para uma reunião junto com os outros colegas que estavam entrando também. Ele queria falar sobre o que era o CEFET, sobre os problemas que ele já tinha identificado e sobre a importância de ser professor naquele contexto de escola pública. Esse é um exemplo de consciência política que transcende o espaço demagógico das greves e das manifestações institucionalizadas, que são rapidamente esquecidas depois das conquistas ou derrotas e se transformam em desprezo no cotidiano e nos corredores das instituições de ensino. Aquele professor, hoje um grande amigo, entendia que cada pessoa importa e que a política existe em cada ato.
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É curioso que tanto Schopenhauer quanto Nietzsche, que queriam revolucionar o mundo com suas ideias, fugissem da política institucionalizada e desconsiderassem por completo o socialismo ou qualquer outra proposta de filosofia politizante. Nietzsche chega ao ponto de afirmar que a arte era o caminho para mudar o mundo e o próprio ser humano, não a política. Provavelmente eles percebiam que a política de esquerda é só outra forma de dissimulação e mau-caratismo.
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Quando Aristóteles fala que o homem é um animal gregário e, portanto, político, é preciso entender que a natureza política do ser humano não tem lugar e hora para aparecer. Ou ela está presente em tudo que se faz, assumindo-se com seriedade cada ação e movimento, ou é um auto-engano, típico do grevista e do politizado de ocasião, aquele que aproveita a greve pra organizar as aulas que não preparou antes.
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Por que não participar de um movimento que todo mundo participa? Por que não temos consciência política? Essas perguntas carregam consigo uma ilusão ou uma maldade que me incomoda. É incrível como tenho percebido um certo padrão em relação às pessoas que insistem em apontar o dedo para os sem-consciência-política, como pessoas que não se importam com a educação e só olham pro próprio umbigo. Tenho convivido, por motivos diversos, com pessoas muito envolvidas com os movimentos sindicais e com a “luta”. O que vou falar sobre essas pessoas não se aplica a todas, naturalmente, mas é basicamente uma evidência da experiência: são pessoas muito interessadas em interferir nas políticas opressoras do governo (não interessa o governo, qualquer governo!) mas não movem um dedo para serem professores de verdade, educando seus estudantes em sala de aula. Não temos consciência política, porque não temos pessoas minimamente competentes cumprindo com a função que se propuseram exercer. As universidades federais e os institutos federais vivem de uma fama que se justifica por dois fatores:
  1. Um número razoável de estudantes que já chegam “preparados”, com alguma bagagem cultural, com senso de autonomia e vontade de buscar bem mais do que possuem. Esses estudantes chegam assim selecionados por um sistema de ingresso que “elimina” uma parte significativa dos possíveis estudantes-problemas;
  2. Um número ínfimo de profissionais incrivelmente dedicados, que levam as universidades e institutos nas costas, no dia-a-dia das salas de aula e projetos de pesquisa e extensão.
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Espero que um dia eu possa olhar pra minha história como professor e me orgulhar de algo que eu tenha construído, de algo que eu tenha deixado para os meus estudantes, do muito que eu tiver aprendido e, também, das greves e mobilizações que eu tenha ou não participado (porque nada do que escrevi até aqui foi um manifesto anti-greve, mas uma reflexão sobre o porquê adotar essa ou aquela atitude em relação a qualquer coisa).
Aos meus professores, os bons professores, e aos meus colegas de trabalho, os bons colegas, eu presto minha homenagem: quero trabalhar para um dia ser lembrado por alguém como lembro de vocês!

Marcos Ramon Gomes Ferreira / 14.08.12

Comentários

Marcinha disse…
e quando você escreveu na minha prova que havia desistido, eu não acreditei. aquele sentimento escrito de alguma forma não era desistência, isso aqui não é uma desistência.
gratidão pelo professor que você é. é tanto, é transbordo de verdade duras, boas, duras, duras, boas...
sei lá, to sem palavras depois dessas palavras. triste também como eu sempre estou com esse ensino fdp no brasil. que merda! esse mundo é cheio de espertos ao contrario... me comove sempre tuas reflexões.
gratidão eterna.
Thais Carvalho disse…
Uma das coisas mais lúcidas que eu já li por esses tempos sobre a questão....