esperança

a partir de então todos os dias pareceram o mesmo. não sentia saudade das coisas que aos poucos foi abandonando. “é assim mesmo”, dizia, como se fosse necessário se explicar diante do espelho. certa noite quando passeava perto da sua casa, pediu a uma mulher que não conhecia que lhe fizesse companhia. “seu porco”, foi tudo que ela disse, enquanto continuava seu trajeto com um ar de nojo e indignação. antes que ele pudesse reagir, ela já tinha sumido no final da rua. “ela entendeu errado o que eu quis dizer”, lamentou. voltou para casa e chegou a sorrir do ocorrido, mas quando se deitou não conseguiu dormir. pensava naquela mulher e na sua reação. quase sentiu o desprezo dela pesando sobre si. não conseguiu conciliar o sono com os barulhos da rua. “amanhã algo vai mudar”, falou alto, mas de maneira inocente, sem acreditar muito. no outro dia, seguiu automaticamente sua rotina. à noite, porém, mais uma vez não conseguiu dormir. “por quanto tempo?”, pensou, e seus olhos encheram-se de raiva. levantou e quis ligar para alguém, mas não teve coragem. a solidão o seguiu de perto por uma semana, até que ocorreu algo realmente inesperado. depois disso, ele voltou a dormir, mas uma sensação de pavor o acompanhava por toda parte. algumas coisas não mudam nunca.
:marcos ramon